Arquivo da tag: versinho

Camadas de um desastre

Tira a gola rolê
e dá de cara
com o decote-vê.

48 caracteres com espaço

Banheiro poético 3

Coisa de corpo celeste

Smoothin’ Shine

Abrillantador
Dourado e duradouro

PS: Graças ao bom Rods e abençoada pela mãe Duchampa, retomo os versos ready-made

66 caracteres com espaço

Banheiro poético 2

Coisa de mulher

Spray

Fixação normal
Não deixa resíduos
Use sua imaginação
Vaporize

Fixa solto

PS: Graças ao bom Rods e abençoada pela mãe Duchampa, retomo os versos ready-made

72 caracteres com espaço

Banheiro poético

Coisa de homem

Invisible solid

Protege/Acalma e protege
Reconstrói
Proteção invisível

PS: Graças ao bom Rods e abençoada pela mãe Duchampa, retomo os versos ready-made

70 caracteres com espaço

Menos de dois é mais de um

Nada como o cheiro de giz pela manhã

Até uma aula matinal e obrigatória de gramática (eu adoro gramática, adoro-doro-ouro) pode ser poética. Não duvide, aconteceu comigo, hoje, no módulo concordância verbal.

Foi assim: rindo com desprezo, o professor contou de um leitor, bobão, que escreveu a propósito de um texto sobre a concordância com “menos de cem”. Dizia ele: “Menos de cem pessoas vieram à festa”. O leitor refutou: “Menos de cem pode ser uma. E nesse caso seria menos de cem pessoas veio à festa”.

Ah, poético leitor, estou com você nessa. Em uma festa com menos de cem pessoas, conheci meu namorado. Em todas as histórias de amor, menos de 6 bilhões é sempre um. Em cada uma delas, aquele um ele.

Enquanto eu pensava em amor, veio um estalo gramático: menos de dois é um. À parte a lógica, o que acontece com a concordância nesse caso? Até 1,9, o verbo é no singular. Por exemplo, menos de dois pães embolorou. Tem um pão e meio, ele embolorou. Porque um e meio é singular. E agora?

Resolvi fazer a pergunta, mas saiu pessoa em vez de pão. E isso despertou o lado professor de cursinho do professor em questão. E enquanto o cara reciclava aquelas piadas sem graça que eu, graças a mim, nunca ouvi porque passei direto no vestibular, eu ia perdendo totalmente o interesse na aula. Até que, sem querer, o professor devolveu a poesia ao papo e lá fui eu e meu eu funil.

É que ele começou a dizer, rindo, que “menos de duas pessoas é o que? Uma pessoa e um pescoço, um tornozelo e um antebraço?”

Ah, o alívio. Eu pude, enfim, ficar em paz e apaixonada pela minha concordância verbal. Menos de dois é singular, como notou o caro leitor. Menos de dois abraça. Eu, seu pescoço e seu braço. Menos de dois aconchega: você inteiro, seu suvaco, meu peito. Menos de dois beija, só as bocas, que o resto arrepia. E melhor: pode usar à vontade, que essa regra não tem exceção.

E quanto à aula, bom, ela me deu vários lides para posts (talvez eles venham, talvez não) e, de brinde, me fez reformular um velho ditado. Ele agora ficou assim: quando um não quer, dois não brisa.

1.996 caracteres com espaço

Is a Belle Époque

Para receber meus amigos, a cidade até fez uma estátua nova

Tudo nessa vida tem seus prós e contras. Recentemente, a Belle e o Chico enfiaram na cabeça que queriam ir morar fora. Foi-que-foi e eles foram pra Chicago no fim da semana passada. Eu estava aqui sofrendo como se estivesse no famoso inverno de lá quando veio um quentinho acalentar meu coração.

É que a Belle finalmente criou um blog, o Is a Belle Époque.

E eu fiz um versinho para eles em Chicago. É bem maroto, saca só:

Eu ia dizer:
Chico e Belle,
bem-vindos a
Chicago.
Mas é mais certo
dizer assim:
Chicago,
bem-vinda a
Belle e Chico

537 caracteres com espaço

Haikai religioso na porta do banheiro

– Eu amo Jesus!
– Mary him.

PS: Essa obra minimalista, bilíngue, espirituosa e espiritualizada está na porta de um dos banheiros do Estadão.

27 caracteres com espaço

A Grande Arte

(Por uma espécie de ausência de critério, este post tem três poemas, para ler todos os três, é preciso ir até o fim. Há um critério, porém, de ordenação de qualidade. Primeiro: BANDEIRA, Manuel. Segundo: LOBO, Reinaldo. Terceiro: COM ESPAÇO, Caracteres)

Um delegado brasiliense fez um B.O. poético. Como esse blog é dado ao poético e ao patético (esses dias eu tava ouvindo rádio Cultura e aprendi que patético é ‘aquilo que causa emoções’, o locutor disse não saber direito quando o patético ganhou os contornos de hoje. Pra mim patético vinha de palhaço, mas pelo visto meus talentos etmológicos são nulos) eu me sinto no dever de reproduzir a obra. Mas antes de reproduzi-la, preciso dizer que, em sua simplicidade, ela me lembrou essa, do Manuel Bandeira:

Poema tirado de uma noticia de jornal

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Bandeira é tão lindo. Agora vamos à obra do delegado Reinaldo Lobo:

Já era quase madrugada
Neste querido Riacho Fundo
Cidade muito amada
Que arranca elogios de todo mundo

O plantão estava tranqüilo
Até que de longe se escuta um zunido
E todos passam a esperar
A chegada da Polícia Militar

Logo surge a viatura
Desce um policial fardado
Que sem nenhuma frescura
Traz preso um sujeito folgado

Procura pela Autoridade
Narra a ele a sua verdade
Que o prendeu sem piedade
Pois sem nenhuma autorização
Pelas ruas ermas todo tranquilão
Estava em uma motocicleta com restrição

(eu adoro a rima autorização-tranquilão)

A Autoridade desconfiada
Já iniciou o seu sermão
Mostrou ao preso a papelada
Que a sua ficha era do cão
Ia checar sua situação

O preso pediu desculpa
Disse que não tinha culpa
Pois só estava na garupa

(desculpa-culpa
Foi checada a situação
Ele é mesmo sem noção
Estava preso na domiciliar
Não conseguiu mais se explicar
A motocicleta era roubada
A sua boa fé era furada

Se na garupa ou no volante
Sei que fiz esse flagrante
Desse cara petulante
Que no crime não é estreante

Foi lavrado o flagrante
Pelo crime de receptação
Pois só com a polícia atuante
Protegeremos a população

A fiança foi fixada
E claro não foi paga
E enquanto não vier a cutucada
Manteremos assim preso qualquer pessoa má afamada

Já hoje aqui esteve pra testemunhá
A vítima, meu quase chará
Cuja felicidade do seu gargalho
Nos fez compensar todo o trabalho

As diligências foram concluídas
O inquérito me vem pra relatar
Mas como nesta satélite acabamos de chegar
E não trouxemos os modelos pra usar
Resta-nos apenas inovar

Resolvi fazê-lo em poesia
Pois carrego no peito a magia
De quem ama a fantasia
De lutar pela Paz ou contra qualquer covardia

Assim seguimos em mais um plantão
Esperando a próxima situação
De terno, distintivo, pistola e caneta na mão
No cumprimento da fé de nossa missão

O Caracteres com Espaço,
blog que eu mesma faço,

em seu humilde afã,
é um assumido fã

do delegaldo
Reinaldo

2.777 caracteres com espaço

Versinhos de domingo

Belkis é nome de rainha
da rainha de Sabá
Nem sei bem se isso é reino,
mas é ela que manda lá

Li Pornopopéia
e depois
Tanto Faz
e agora quero escrever
igual o Reinaldo Moraes

O poodle do xerox é preto
está sempre na escadinha
já viveu muito tempo
e parece uma pessoinha

O Rafa roeu as cascas
limpou cada ferida
sobraram umas marcas
mas nem precisou band-aid

O Rafa rói tudinho
descasca a pele
e mói os ossos
e tudo fica molinho

Daqui a dois meses,
falta pouco
Belle e Chico se mudam daqui
Eu fingo que não ouço
o pipoco
do meu coração
espatifando igual caqui

Veri vem do verbo varrer
No lugar da vassoura,
ela empunha o escracho

e vai varrendo
varrendo e varrendo
tudo aquilo que é chato

No fim, nem usa pázinha
só dá um soprão
E o pó da chateação
sai voando pelos ares

Descongelei as fatias
espremi as alcaparras
misturei com azeite
e uma colher de mostarda

Com o pão, peguei o carpaccio
com grana padano ralado
comi fazendo versinhos
e o iPad ficou todo lambuzado

Quero conhecer o Chico
filho do Edu e da Beth
Quero ver o Otto
filho da Thany e do marido dela
que eu não conheço
Quero dar um beijo no Vicente
filho da Marina e do Cohen
meio-irmão da Alice
A Ana Flor eu conheci
como é linda a filha
dos amados Meg e Ray
Mas de todos esses e outros
o que eu quero mais mesmo
é brincar com meu sobrinho
que não tem sexo, nem nome nem nada
E ainda vai morar um bom tempo
na barriga da minha cunhada

1.395 caracteres com espaço e centralizados

Just you, just me (versão brasileira: Caracteres com Espaço)

De quem é esse braço mesmo?

Só eu, só você
vem cá no cantinho
ficar agarradinho

Só nós, chega aí
é saudade demais
Não posso com isso

Aí, pega esse braço
e faz um laço
E vem aqui pertinho

Só eu, só você
de quem é esse braço
não dá pra saber

Você pode cantar junto. Dá play e solta a voz:

211 caracteres com espaço