Estávamos em um café na rambla de Montevidéu. Fazia calor e, naquele dia, meu filho vestia uma camiseta rosada. A senhora-caolha estava na mesa ao lado e elogiou nossa filha:
– Ela tem um olhar muito vivo. Dizem que é sinal de inteligência.
Agradecemos e, em seguida, o Rafa corrigiu:
– Es varón. (Sei lá como escreve em espanhol, mas diz ‘é barón’ e quer dizer que é menino.)
Foi a senha para ela sentar mais perto para conversar mais. Eu fui ao banheiro trocar o barón que tava todo cagado.
Quando voltei, a vovó-pirata me disse umas tantas coisas dentre as quais eu pesquei que ela tinha achado prafrentex que a gente usasse roupa rosa no nosso filho. Contou que tinha umas fazendas a leste de Montevidéu, que tinha 85 anos e se chamava Silvia, mas que todo mundo a conhecia como Bimba, o que faz dela uma autêntica Tia Nenê da banda oriental do rio Uruguai (Bimba é Nenê, e eu me fascino com as velhas-nenês, essas oxímoras em extinção).
Dei a maior bola pra avuela-de-un-ojo. Ela encerrou a conversa, o Rafa mandou um galanteio (gracias por la charla), que arrancou dela um elogio (que gentil é o seu marido), que, por sua vez, arrancou de mim um agradecimento e um auto-elogio (obrigada, eu escolhi muito bem).
Lá pelas tantas ela foi embora do café. Eu fiquei olhando e fiz um pensamento bem positivo para ela, uma coisa tipo “que-sua-vida-seja-ótima,-tia-nenê-pirata”.
Daí veio o Rafa:
– Você não entedeu direito o que ela te disse, né?
E eu:
– Hãn? O que? Em que momento?
– Quando você voltou do banheiro, você não entendeu tudo o que ela disse.
– Não, acho que não.
– Ela disse: “Olha! Você parece um homem”.
…
Burn in hell, véia zarolha.