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Anotações pós-férias

Depois de um mês descalços ou de chinelos, meus pés estão estranhando os sapatos. Ficaram ariscos.

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Já minha franja adorou reencontrar o secador. Ela tava com saudade, embora parecesse feliz descabelada. (Eu me recuso a carregar secador em viagem.)

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Tem gente que sente falta da cama, há quem sinta saudade da privada – morro de pena de quem sofre prisão de ventre em viagem, deve ser ruim demais ficar enfezado nas férias. De todas as coisas da minha casa, a que mais me dá saudade é o chuveiro.

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Depois de um mês longe da internet, eu esqueci quais sites que frequento. Por uns dois dias, entrava num depois no outro, naquele de sempre e naquele outro favorito e depois dava um branco. Como é mesmo que faz isso? Ainda estou redescobrindo.

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A sensação de esquecer a senha do login no computador do trabalho é única.

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Peraí, em que momento do dia eu posto coisas do Caracteres? Espero encontrar a resposta logo.

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De leve

Eu já estou no modo não-ano. 2011 já acabou e 2012 ainda não chegou. É o segundo ano em que tiro férias nesse período e a segunda vez que fico encantada com esse mês desanuado. Tudo fica suspenso e os limites entre um ano e outro ficam mais suaves. É como era na escola, quando acabavam as aulas num ano e elas só começavam no ano seguinte e você ficava ali mais de um mês sem estar nem na quinta nem na sexta série. Era até difícil responder à pergunta standart: em que série você está? nessa época. Fui pra sexta, terminei a quinta. Não estou. Estou de férias.

Meu plano é tirar férias total. Sem blog, sem Face, sem nem ver o jornal. Pra, na volta, ouvir as notícias de semanas atrás e dizer: É mesmo! Com cara de espanto para a inveja geral. Eu sempre fico com inveja da pessoa que se espanta com uma notícia velha. Aquele momento em que fica óbvio que é possível viver (talvez seja até melhor) sem acompanhar o noticiário.

E como meu plano é só voltar à produção em 2012, aqui vão meus votos:

A todos vocês, meus queridos amigos e amados leitores, um 2012 feliz, fácil, simples.
De leve.
Eu espero que este ano de 2011 tenha sido tão bom para todo mundo quanto foi bom pra mim. Foi um ano lindo. Emocionante, agitado e lindo. Agora, que venha um ano que vem tão lindo quanto e com uma beleza mais calminha.

Meus planos de Ano Novo são:

1. Plantar tomates
2. Fazer meus próprios vestidos
3. Vencer a preguiça paralisante que tenho de burocracia
4. Nadar ao menos todas as semanas

 

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Por todas as esquisitices

Nossa senhora que lugar bonito

Não faz nem meia hora eu me vi diante de um desses meus gostos que eu tenho que confirmam pra mim que sim, faça o que eu quiser, vá eu para onde for, sofistique-me, complique-me, requinte-me, sou uma caipira das grossas.

Estou em Jericoacoara e as opções de banho aqui vão do glorioso mar emoldurado por dunas às gloriosas e azuis lagoas emolduradas por dunas passando por outras lagoas e outras praias e terminando na honesta piscina do hotel, cercada por lindas primaveras com flores dos mais distintos tons.

Pois bem hoje, meu último dia aqui nesse paraíso tropical luxuriante, eu fui tomar uma ducha no hotel e abri o sorrisão. Foi, de longe, disparado, sem discussão, o melhor banho que eu tomei. A ducha fica do lado do tanque onde as funcionárias do hotel lavam as coisas. Dá pra ver um canto da duna entre os galhos de um pé de hibisco. O chãozinho da ducha, menor — bem menor — que o box lá de casa é de azulejo amarelinho, em volta é tudo areia. Na frente tem o tal pé de hibisco, no fundo a duna, do lado o tanque e na parede uns vasos com umas plantas dessas de folha mesmo. Eu fiquei feliz com a luz brilhante do fim da tarde e a água fresquinha entrando pela minha cabeleira sem deixar um rastro de areia por onde passa, a água batendo no azulejinho amarelo do chão e respingando depois na areia, o sabão azulzinho descansando no tanque. Foi o melhor banho que tomei em Jeri.

Continuo caipira, faço pouco do mar, prefiro rio e, pra mim, numa casa de veraneio, basta uma boa ducha, um bom chuverão ou um belo dum corguinho.

Não espero ser compreendida nessa caipirice de preferir o chuveiro à exuberante paisagem da praia. Sei que é tosquice pura. Só peço um sorrisinho de ‘que doida’. O Rods, em quem eu pensei umas quinze vezes nesses dez dias de idílio tropical, adora contar pra mim (fingindo que tá contando pros outros) uma história que tem a ver com essa.

Foi assim. A gente foi passar um Réveillon no Rio e pra mim a coisa toda foi uma tortura. Com todo respeito aos amigos cariocas ou que vivem no Rio ou adoram o Rio. Eu não gosto muito de lá não, não por causa de nada de lá especificamente (a cidade é obviamente linda, a comida é deliciosa e tudo e tal), mas é que eu sempre me sinto muito trouxa.

Lá estava eu me sentindo trouxa e talvez ainda mais trouxa por não morrer de amores pela praia, o que me era lembrado a cada vez que, bem, a cada vez que íamos à praia. De manhã, fim de tarde, aquela papagaiada toda. O meu mau-humor só aumentando, aumentando, aumentando. Se não virasse o ano, eu teria explodido a cota de catota espiritual naqueles últimos dias de… de sei lá que ano que era já nem lembro mais.

Pois no dia 1, o primeirinho dia do ano seguinte àquele, o Rods precisava achar uma borracharia pra dar um jeito no pneu do carro dele que tinha estourado na vinda e agora ele precisa arrumar pra volta. Me voluntariei pra ir junto, ele mal acreditou. Saímos da Urca, onde estávamos hospedados, e fomos em busca da missão de achar um borracheiro carioca funcionando na manhã do dia um.

Só isso já me deixava mais bem humorada, em parte pela besta rivalidade entre paulistanos obcecados por trabalho e cariocas (se fosse em São Paulo, meu borracheiro atenderia na hora, certeza, na mesma rua, sem pestanejar, já aqui nessa espécie de selva hedonista… Eu sou super a favor de selva e super a favor do hedonismo, mas essa rivalidade besta é daqueles prazerezinhos deliciosos tipo cutucar pelinha no canto do dedo), em parte pelo aspecto gincana (ache um borracheiro funcionando no Rio na manhã do dia primeiro de janeiro. A prova vale cem pontos, valendo!).

Achamos, o Rods foi lá resolver o pneu e eu fiquei conversando com um guardador de carros gordão, com a maior barriga que eu já vi, e ele me contou coisas maravilhosas do funcionamento do mundo dos guardadores de carro da Lapa, me explicou a rotina dele e como as coisas tinham mudado, vinham mudado e ainda iam mudar mais, porque é assim que é. Eu fiquei lá de trololó, com um humor ensolarado e renovado. E quando o Rods, voltou, pneu colado com chiclete, ficou muito impressionado.

E ele sempre dá um jeito de contar essa história pra alguém na minha frente, como um exemplo ou a. de quanto eu não gosto de praia (o que nem é taaanto verdade assim) ou b. do quanto eu sou esquisita. Mas sempre que ele conta pra alguém essa história na minha frente eu fico com a sensação de que ele tá contando ela de novo pra mim, pra me lembrar de a. como ele gosta de mim por essas coisas e b. quanto eu gosto dele por essas coisas.

Enfim, viva a ducha do lado do tanque! Viva o borracheiro da Lapa! E um grande e ruidoso viva para todas as esquistices minhas, suas, delas, deles e todas.

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Uma vila, 200 pessoas, 3 ruas. De areia

Esse post explica como chegar a esta praia específica

Eu trabalhei anos como repórter do caderno de Turismo. E, sim, até isso cansa. Acontece que eu fui viajar esses dias e foi difícil encontrar informações do lugar a que eu ia. Como “eu saí do Turismo, mas o Turismo não saiu de mim”, eu vou fazer uma clássica matéria de viagem, com serviço e tudo, veja só.

A Vila de Santo Antonio tem três ruas que dão numa espécie de praça. As três ruas são de areia. Como quase tudo ali. O povoado tem umas 200 pessoas, três restaurantes e dois carros. Eles são bem importantes esses dois carros. Além da praia, claro. Mas vamos começar pelo começo, que é a parte mais difícil dessa história. O começo é:

Essa aí é a barraca do Sérgio

Como chegar a Santo Antônio. Não é difícil, desde que você saiba algumas coordenadas. E a internet, que tem de tudo, está em falta de coordenadas para ir a Santo Antônio. Vamos resolver isso aí. A Vila de Santo Antonio fica a norte de Salvador, no município de Mata de São João. Ela fica depois de Imbassaí e Praia do Forte. E antes de Sauípe. É a menos de 100 km de Salvador, pela costa, no rumo norte. (Sauípe, Praia do Forte, Imbassaí, Diogo e Santo Antônio são todos vilarejos do município de Mata de São João, cujo centro fica no interior, a cerca de 70 km da costa. Para entender mais ou menos isso aí, veja este mapa; Salvador está pra baixo de Lauro de Freitas)

Para ir pra lá gastando pouco dinheiro, pegue um táxi no aeroporto até o ponto de ônibus de São Cristóvão. É só dizer pro taxista: eu vou pegar um ônibus da Linha Verde, me deixa no ponto? Dá uns R$ 20. Daí esse ponto é sensacional. É uma galera, muitos ônibus e bastante confusão.

Foco no que importa: você precisa pegar ou um ônibus da Expresso Linha Verde ou uma van da Linha Branca (foi o que peguei). O cara passa gritando: Arempebe, Praia do Forte, Sauípe. Falou Sauípe, pode entrar. Se ele não falou, você pode perguntar: passa na entrada do Diogo?

Eu tenho essa teoria, não sei da onde tirei ela, mas ela costuma funcionar. No caso de você não ter a menor ideia do que está falando, fale com muita convicção, como se estivesse mencionando algo tão banal quanto ‘o ar é transparente’. Foi assim que dissemos. “Passa na entrada do Diogo?”. “Passa”. Então bora. A passagem custa R$ 10 (de Salvador a Diogo. Você vai reparar que cada um paga um valor de passagem, e isso é definido pelo ponto de partida e de chegada).

Essa é a vista que se tem a partir do ponto de mototáxi

A viagem até a entrada do Diogo (que é o vilarejo vizinho a Santo Antonio, maior, à beira do rio Imbassaí) demora mais ou menos 1 hora. Chegando lá, atravesse a estrada rumo ao ponto de mototáxi e peça ao mototaxista que leve você até Santo Antônio. A viagem custa R$ 15. E é uma viagem….

Ele atravessa a pista e entra numa estradinha de terra. Até aí, normal. Eis que a estradinha de terra vira um caminho de areia fofa, muito fofa, e branca. Parece rally. É o areal. O povo da vila espalha casca de coco na estradinha pra ela ficar mais transitável. Mesmo assim, o meu mototaxista derrapou duas vezes. Depois eu perguntei quem é que espalha o coco na estrada e veja só que legal: o pessoal vai se organizando e os dois carros da vila vão levando o coco e deixando umas pilhas ao longo da estradinha. Num dia combinado, a galera vai geral pra lá espalhar o coco na estrada. “E quem não puder vir, paga a cerveja e a feijoada. Todo mundo participa de algum jeito”, me explicou Sérgio, filho de Dona Lelé, dono da barraca do Sérgio e de um dos dois carros da vila.

Para ir pra lá gastando muito dinheiro, você pode ir de táxi até a entrada do Diogo (vai dar no mínimo R$ 150) e pegar o mototáxi ou tentar falar com o Sérgio e ver se ele busca você no aeroporto.

Esse é o areal, ou melhor, um pedaço dele

O mototáxi finalmente chega a Santo Antonio. Você vai descer na frente “de Luciano”. Luciano é filho de Dona Lelé, irmão, portanto, de Sérgio. Mas é também um camping e o ponto de encontro da vila. Sim, o camping é dele. Tudo o que você marcar com qualquer pessoa vai ser ali “em Luciano”.

Diante de Luciano tem uma espécie de praça, um lugar sem nada. Às vezes tem ali um jegue estacionado. O jegue é a principal forma de transporte em Santo Antônio. Colocam neles uns cestos grandes e redondos e pronto. São a picape local. A fauna local também é farta de galinhas e galos. Muitos, por todos os lados. As galinhas andam pra lá e pra cá com seus pintinhos, ensinando os pequenos a ciscar. O clima é bem interiorano.

Parado ali no meio, olhando para o camping, as coisas estão dispostas assim: na sua frente, a praia (depois do camping, né). 45 graus à direita está a rua onde fica Dona Domingas, a mercearia da vila, onde você pode comprar água mineral de litro, fósforo e Cremogema. Mais 45 graus, ou seja, à direita, está o restaurante O Pescador, onde sempre tem gente. Ele fica numa esquina pontuda. À esquerda, está a rua da Dona Lelé, onde você provavelmente ficará hospedado. Depois tem a rua da igreja. E atrás de você uma rua meio escondida com alguns botecos e restaurantes. Em todo o lado esquerdo, é só areal e praia.

A rede na varanda do chalé na Dona Lelé. Ali na frente tem o portão e a rua

Onde ficar em Santo Antonio. Então, o esquema é ficar na Dona Lelé. Até há, por lá, casas para alugar. E há o camping. O duro é que não tem onde comprar muita coisa, então se ficar numa casa alugada, você vai ter de trazer bastante coisa na mala. A pousada da Dona Lelé é composta por chalés espalhados numa espécie de sítio. Há muitas galinhas, alguns coqueiros e uns quatro ou cinco chalés. Os chalés são bem bonitos. As paredes de fora são amarelas e as de dentro azuis, bem azul mesmo, aquele azul caiado. E os batentes das janelas e das portas são vermelhões. Então não importa de onde você estiver olhando para o chalé, sempre parece que você acabou de cair dentro de um quadro naïf (ainda mais se o galo branco estiver passando por ali na hora).

Olha bem, a parede de dentro é azul; o batente, vermelhão; a de fora, amarela

Logo que você acorda, a Luciane, que é filha da Dona Lelé, e portanto irmã de Sérgio e de Luciano, começa a preparar o café da manhã, servido numa espécie de quiosque-coreto no meio do terreno, com vista para o lugar em que as galinhas ficam. O café da manhã é mágico. Vem assim:

– uma jarra de suco feito na hora. No primeiro dia foi mangaba; no segundo, manga; no terceiro, goiaba; no quarto, mangaba. É quase um hai-kai.

Mangaba
Manga goiaba
Mangaba

– uma garrafa de café e uma de leite.
– um pão francês e dois pães de hambúrguer, sendo esse o melhor pão de hamburguer que eu já comi.
– ovo mexido, queijo e presunto
– duas variedades de fruta (mamão e melão em metade dos dias, mamão e melancia na outra)
– banana frita (com açúcar cristal e canela)
– banana cozida. Que delícia esse negócio. Eu nunca tinha comido isso.

Se você não estiver hospedado na Lelé, mas quiser tomar esse café da manhã maravilhoso, pode tentar pedir para ela. O café, avulso, custa R$ 16 para o casal.

O chalé é arrumadinho. Eu fiquei em um com cozinha. Tinha o quarto do casal, com a cama, TV, ventilador e mosquiteiro (muito útil). Um banheiro e a cozinha, com geladeira, fogão, três panelas e plim. A diária para esse chalé custa R$ 120 e inclui café da manhã, que inclui o sorrisão da Luciane, que é um docinho de pessoa.

Panela, panela, panela, plim, panela, plim

Comida. São três os restaurantes principais de Santo Antonio. O Do Pescador é ok. As moquecas em qualquer um deles variam de R$ 35/R$ 40 (peixe, mista; a de siri-catado é mais barata, se não me engano custa R$ 28) a R$ 80, no caso da de lagosta. O Maria Moqueca é simpático mas a comida não é boa, não. É pesada. Mas ali está a melhor ducha do vilarejo. Ela fica bem na entrada. Esqueça a vergonha e passe ali para uma boa chuveirada pós-praia. O Nativo, o terceiro restaurante, tem aparência tão antipática que a gente nem foi (se você for e a comida for boa, por favor me conte). Mas onde comemos melhor em Santo Antônio foi na Barraca do Sérgio, que fica na praia. Isso, o Sérgio, dono de um dos carros e filho da Dona Lelé. O duro é que não dá vontade de mandar uma moqueca sentado na praia, com o pé na areia… então ficamos nos petiscos (melhor aipim frito que eu já comi na vida) e caipirinha (bem boa, embora pequena).

Artesanato. As mulheres de Santo Antônio fazem lindas bolsas de palha. A maiorzona, mais bonita, que parece um cesto-bolsa, custa R$ 30. Elas tingem a palha com anilina e fazem uns trançados quetais. Para modelos mais, hum, criativos, vá n’O Pescador. Para modelos mais roots, veja a oferta da Dona Domingas.

Dinheiro. Isso faz que cheguemos num ponto: é evidente que não há caixa eletrônico por aqui. Então é bom separar bastante dinheiro. A cerveja custa R$ 4,50. As porções, a partir de R$ 15 (agulha, pititinga e outras delícias). A capirinha, R$ 8. A comida eu já disse lá em cima. A hospedagem também. Daí calcule mais ou menos quanto você costuma consumir e traga tudo.

Daí no mais não tem segredo não. É só praia e areal. Na praia, cuidado com as pedras. Na maré baixa dá pra ver todas elas, inclusive ficar ali bisbilhotando as poças de água cheias de siri e alevinos. Mas na maré alta pode ser que elas sumam e aí corre o risco de dar aquela topada com a pedra submersa. No areal, vá um dia à noite, estenda a canga e aproveite um pouco a vida em marcha lenta.

Vai à noitinha pro areal, estica a canga e fica lá vendo estrela

Na hora de ir embora. Você pode repetir o procedimento da vinda. Pegar o mototáxi até a pista, esperar passar a van da Linha Branca ou o ônibus da Linha Verde (ATENÇÃO: eles operam entre 5h e 19h) e pegar um táxi até o aeroporto. Ou, se estiver com preguiça ou quiser ir mais tarde, já sabe, procure Sérgio. Ele cobra R$ 150 (em abril/2011) para levar ao aeroporto de Salvador. Faça as contas. Se você estiver em dois, vai gastar R$ 30 de mototáxi, R$ 20 de van e R$ 20 de táxi. Dá R$ 70. Calcule seu orçamento e mande bala.

E pra falar com essa galera toda.
Dona Lelé: 0/xx/71/9951-6705
Luciano: 0/xx/71/9174-2093
O do Sérgio eu não sei. Mas ele é filho da Lelé e irmão do Luciano, então tá fácil, vai.

É isso aí

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O dia em que eu conheci Ariel Palacios

Ariel Palacios posa diante do Palácio da Água, Museu da Água e da História Sanitária de Buenos Aires

O encontro, um café da manhã, foi marcado por e-mail. Então foi preciso lançar mão da auto-descrição para garantir que a gente se encontraria. Ele se descreveu assim:

Para me reconhecer é só procurar um cara baixinho, de barba, com cara de intelectual judeu (segundo uns, quando estou de óculos) ou de terrorista iraniano (segundo outros, quando estou sem óculos) acompanhado da Miriam, que é uma loira de 1,84 de altura.

Eu só respondi que uso óculos com armação verde-limão. No dia marcado, eu saí de Palermo, onde estava hospedada e caminhei 6,5 quilômetros até a rua Suipacha, 380. Eu não sou de fazer posts longos, mas essa caminhada foi rara. Então esse post vai ficar bem comprido. Tenha paciência, estamos no meio do Carnaval, há tempo livre para ler, vai.

Saí do Che Lulu, o hotel em que estava hospedada e fui caminhando porque, entre outras coisas, precisava tirar dinheiro. Em janeiro deste ano faltavam notas de papel na Argentina e o tempo todo todo mundo precisava sacar dinheiro. Andei a rua Guatemala até a Santa Fé, onde há vários bancos. Eu tinha dormido pouco, porque havia saído na noite anterior. E, além de sonolenta, estava de ressaca. Tinha chovido um pouco e, ainda na rua Guatemala, eu pisei numa poça de lama de maneira que o meu pé direito jogou um tanto de lama na minha perna esquerda. Agora eu estava sonolenta, de ressaca e enlameada.

Eu não tinha tempo de voltar ao hotel, tomar banho e retomar a caminhada. E não tinha dinheiro para voltar para o hotel, tomar banho e apanhar um táxi. Então segui a caminhada com a perna coberta de lama mesmo.

Pensei em como resolver o problema. Eu poderia parar em um quiosco e comprar uma garrafa de água, se eu tivesse dinheiro. Talvez eu até tivesse dinheiro para a garrafa de água, mas estava com medo de ficar sem dinheiro para o café da manhã. Foi então que avistei um açougue. Entrei e pedi guardanapos para limpar a perna. A mulher me estendeu um pano. Sem pensar, passei o pano na perna e devolvi a ela. Para, só então, me dar conta de que ela estava usando o tal pano para exugar uma tábua em que ela estava cortando frango.

Foi então que notei que a minha perna estava coberta de visgo de frango. E minha mão também. Não vou nem tentar descrever o cheiro. Só me restava seguir em frente e pensar em uma nova solução, porque agora eu não estava mais enlameada. Eu estava com a perna coberta por visgo de frango. Eu estava nojenta. E sonolenta e de ressaca.

Segui em frente. Cheguei à avenida Santa Fé e tentei uns três bancos antes de conseguir tirar dinheiro. Em um desses bancos, uma mulher lavava a calçada. Ela tinha um balde de água com muita espuma. Eu não tive dúvidas, pedi licença, enfiei a mão no balde, peguei um tanto de água com espuma, lavei a perna e lavei a mão e fiquei feliz. Até olhar para a cara de espanto da tal mulher. Foi quando eu prestei atenção no balde. E a água, sob aquela grossa camada de espuma, estava preta.

Encardida, sonolenta e de ressaca, segui adiante. Saquei dinheiro. Parei num quiosco, comprei água mineral, lavei minha perna com vigor, lavei as mãos com vigor e parei numa farmácia, fiz que ia comprar um creme para poder prová-lo. Passei creme nas mãos, que finalmente deixaram de me dar vontade de vomitar.

Depois, passei em uma L’Occitane e repeti o procedimento. Agora, em vez de fedor de frango eu tinha cheiro de alguma erva aromática da Provence. Embora, no íntimo, eu soubesse que lavanda da Provence era apenas a última camada de um magma que incluia lama, visgo de frango e água de lavar a calçada. Eu estava atrasada, não havia muito o que fazer. Depois eu lavei tudo com água e sabão na pia do café. Mas, ao menos, eu não estava mais fedendo.

Pois bem, depois dessa caminhada cheia de aventuras, eu cheguei ao meu encontro marcado. E lá estavam eles, Ariel Palacios e Miriam, me esperando debaixo de um toldo (esqueci desse detalhe: chovia).

Ah, sim, esse post é sobre esse encontro. O encontro com Ariel Palacios e Miriam. Mais especificamente, esse post é sobre Ariel Palacios.

Quem começou essa história foi o Gustavo Chacra. Eu disse a ele que estava indo pra Buenos Aires. Ele me disse que eu tinha de conhecer o Ariel e a Miriam, que eu ia me apaixonar por eles, que isso, que aquilo.

Eu sou tímida e não teria passado pela minha cabeça acionar o correspondente do jornal na Argentina só porque eu estava indo pra lá. Isso que, além de ser o correspondente do jornal na Argentina, o Ariel é uma espécie de lenda entre os jornalistas, além de ter o sotaque mais curioso do mundo.

Mas o Chacra insistiu tanto que eu fui. Quer dizer, depois de insistir um pouco, ele esqueceu de mandar um e-mail nos apresentando (eu ao Ariel). Só que daí eu já tinha gostado da ideia. Então cobrei dele e ele mandou um e-mail que é uma doçura me apresentando ao Ariel. Trocamos e-mails, marcamos encontro, nos auto-descrevemos e nos encontramos depois dessa minha caminhada selvagem acima descrita.

Não consegui decidir se achei que o Ariel tem cara de intelectual judeu ou de terrorista iraniano. Na verdade, reconheci o casal por causa da Miriam mesmo. Uma loira gata de 1,84 m de altura que não tem como passar batido. A gente ia tomar café da manhã no La Ideal, um café desses indescritíveis que só Buenos Aires tem. Mas os caras estavam fechados para reformas e só espiamos o salão (pausa, fiquei sem fôlego só de lembrar, porque era a coisa mais linda e decadente que eu já vi na vida e coisas lindas e decadentes me tiram o fôlego).

Seguimos para um outro café. Eu estava meio sem-graça. A gente chegou no café, sentou e, plim, aconteceu a mágica. A mágica que só acontece quando você conhece pessoas muito legais.

O Ariel pediu um sanduíche de miga frio, de queijo. A Miriam pediu três medialunas, dos de grasa e una de manteca, e um expresso duplo cortado (que é o pingado). Eu pedi lo mismo, porque adorei o pedido dela.

E então eles me contaram tudo. Tudo mesmo. Começou pela panorâmica no noticiário da semana. Depois, uma visão geral da crise Argentina (que é bem mais antiga do que eu imaginava). Depois uma geral na história da aristocracia argentina. Então uma geral na América do Sul mesmo. Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai, passamos pela China e pelas relações Brasil-Argentina. Ora tinha um mapa aberto sobre a mesa, ora o mapa se fechava. Eu queria anotar umas coisas, mas parecia um desperdício de atenção tentar anotar. Depois veio uma seleção dos marcos arquitetônicos mais incríveis de Buenos Aires (como é bom encontrar pessoas sensíveis à beleza da esquisitice), seguida de um punhado de histórias saborosas sobre ex-presidentes intercaladas a histórias maravilhosas sobre monumentos. Olha, só de lembrar… Você pode aprender todas essas coisas também, é só frequentar o blog dele. Mas ouvir tudo isso, em palavras ditas, com o sotaque particular de Ariel, pontuadas pelas maravilhosas interrupções da Miriam – eles são desses casais em que um interrompe o outro para acrescentar um detalhe, você esqueceu de dizer pra ela que a aristocracia…, e lembra quando você entrou no apartamento dos nossos vizinhos…, não, não foi porque eu perdi a chave… Tudo isso em um café da manhã… é intenso.

A Miriam saiu do café porque tinha de trabalhar. E Ariel continuou a aula sem ela. Depois ainda me levou para um passeio. E então me deixou na livraria em que eu tinha combinado de encontrar minhas amigas. A essa altura eu já estava em uma espécie de transe.

Ah, lá pelas tantas, durante o nosso passeio, perguntei a ele de onde, afinal, vinha aquele sotaque. Se eu tivesse de chutar, diria que é o sotaque de um português que mora há muito tempo no sul do Brasil. Errei feio. Ariel nasceu em Buenos Aires, veio criança para o Brasil, cresceu na região Sul (acertei essa parte, ele morou um bom tempo em Londrina), depois morou na Espanha e depois na Argentina. De onde vem o sotaque afinal? Ele mesmo não tem uma boa explicação. Depois de conhecê-lo, eu diria que vem do rádio. Também não sei explicar direito. Mas achei esse palpite bonito.

Eu encontrei minhas amigas na livraria e a gente foi passear. Passamos em um brechó incrível, onde a Mari comprou sapatos Prada e eu comprei uma caxemira cinza (que estou vestindo hoje, por sinal). A Mari e a Santa, então, me perguntaram porque eu estava tão quieta. Eu nem tinha percebido que estava quieta, mas era óbvio que minha cabeça estava zunindo.

Nesse mesmo dia, poucas horas depois, eu levei minhas amigas para comer no mesmo lugar em que tomei café da manhã com Ariel e Miriam. Foi meio insconsciente, mas acho que voltei lá para tentar pegar umas palavras que ainda estivessem por ali. Porque é óbvio que não coube tudo na minha cabeça enquanto eles falavam. Achei umas tantas ainda flutuando por lá e peguei cada uma delas com cuidado.

Em tempo: a dica mais legal de Buenos Aires que o Ariel me deu foi essa aqui.

8.751 caracteres com espaço (eu acho que isso é um recorde)

Um, dois e….. daqui a pouquinho

Tan-tan-tan-tã, tararararam, tan-tan-tan-tã, tararararam

Meu computador novo chega no comecinho da semana que vem e daí eu vou me acostumar a ele e daí eu volto a uma rotina de posts mais frequentes por aqui.

Enquanto isso eu fico aqui lembrando dessas minhas férias incríveis (na foto, um tango argentino na calçada. Aliás, a foto é da Santarosa e eu, se fosse você, ia conhecer o Flickr dela) e tentando forçar o ano a começar. Ele tá preguiçoso esse 2011, viu. Fica querendo dormir até tarde e, quando acorda, enrola na cama. E quando levanta, toma café demorado, fuma uns cigarros e não quer saber dos afazeres. Olha pra listinha – ligar para o eletricista, fazer rematrícula na academia, pagar o condomínio, cortar o cabelo – vira a cara pro outro lado e passa outro cafezinho.

Quando eu chamo a atenção dele – vamlá, 2011, que uma hora você tem que começar – ele dá um risinho maroto e bate o calcanhar das alpargatas que nem a Doroty do Mágico de Oz. Tap, tap.

Eu não entendo nada de horóscopo chinês, mas se tivesse que chutar, diria que 2011 é o ano do bicho-preguiça. De ficar penduradinho fazendo cara de “hãn,-é-comigo?”. É, é com você sim.

Semana que vem, hein. Meu computador novo chega. E o Caracs volta ao ritmo de sempre.

Uma colher de doçura pela manhã

La dulzura cambia todo

A dose é fixa, quase um remédio, espécie de antídoto ou vitamina. Um colher de doce de leite por dia, por um semana, dez dias ou até sarar. Como receita médica: um comprimido, a cada oito horas, por 5 dias. Assina, carimba, aí está.

E funcionou. Mas talvez não fizesse sentido sem as referências do contexto. É que aqui no Uruguai, em todos os cafés e restaurantes, o sachê de açúcar é da marca Azucarlito e vem com um recadinho:

“La dulzura puede cambiar el mundo”

Olha, quanto ao mundo, eu não garanto, mas os meus dias, isso sim, com certeza. Foi daí, da frase do sachê da única marca de açúcar do Uruguai (e um país assim tão chiquito não precisa de mais de uma marca de açúcar) que extraí um diagnóstico (falta de doçura), uma receita médica (doce de leite), uma moléstia (azedume) e uma cura (sarei!).

Uma colher de doce de leite por dia, mirando la mar dulce, porque as referências adoçadas não param no Azucarlito.

A vista da janela do café da manhã do hotel em Colonia del Sacramento é para a praia, que aqui é de rio, o rio da Prata, chamado “la mar dulce”. É praia igual, com areia e ondinha, mas aqui o mar é doce. E a vida também. Uma colher de doce de leite por dia, pela manhã, olhando o mar doce e brincando com o sachê do açúcar que propagandeia a doçura como a solução para todos os problemas do mundo.

Essa é a receita.

La mar dulce

E tem esse outro post aqui sobre o poder da docura: “Faz zunzum pra mim

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PS: Pois é, voltei das férias. E, sim, foi incrível.

Descarrila que é bom

Saio de férias hoje. Vou ficar fora por 20 dias, esperando que as autoridades ferroviárias retirem os vagões descarrilados do trilho do trem.

Sou cismada com o termo ‘train wreck’. Tem um tom de desastre na combinação train com wreck que parece que você já vê a confusão quando ouve as palavras juntas. E defendo a ideia de train wreck em si: o trem sai do trilho, chega a roda um pouquinho para lá e tudo vira uma bagunça danada.

I am definitely a train wreck.

Também cismo com metáforas de trem. A minha favorita é quando você começa a falar alguma coisa e as palavras vão saindo da sua boca que nem uma locomotiva a todo vapor, geralmente desgovernada. Pois foi exatamente isso que, numa tarde de domingo, levou ao meu mais recente train wreck.

E daí veio uma montanha-russa seguida da outra (porque é isso que acontece quando você sai da rota). Se você pensar direitinho, uma montanha-russa também é um trem. Envenenado, é verdade. Mas é um trem.

Pois veio uma, veio outra, looping, parafuso e, merecidamente, saio de férias hoje. Esperando que as autoridades ferroviárias dêem conta do serviço, quieta em vários cantos, porque no meu canto eu já tô. E chega do meu canto por agora, que férias é férias. De qualquer forma, a ideia é ficar um pouco quieta.

É que um dos loopings-duplos-parafusos da sequência de montanhas-russas foi ouvir, veja quanta contradição, que às vezes tudo é dito no silêncio. (Sshhhhhh, quietinha, tá ouvindo?) Depois veio um silêncio que era só uma resposta que não vinha (e isso foi dar no melhor CAPSLÓKI deste blog).

De silêncio bom em silêncio ruim, aprendi, justo eu, tão ligada em palavras e letrinhas, que ficar quieto pode ser muito mais direto do que a franqueza que cultivo diariamente. Não que eu tenha muita coisa para dizer agora, não é isso. É só que eu aprendi essa e queria dividir com vocês.

(Agora repare como a vida é bem escrita. Uma história que começa com palavras que saem da boca em desgoverno evolui para uma fábula sobre a importância do silêncio. Esses roteiristas, viu, vou te contar.)

Minha mãe já tinha tentado me ensinar. Ela sempre diz: falar é prata, calar é ouro. E diz que a mãe dela tentou ensinar isso a ela. E é bem verdade que a minha avó é calada. Já eu, eu não tomo jeito. Gosto de tudo clarinho-clarinho, detesto dúvida e suposição. Daí desato a tagarelar até que tudo tenha sido dito.

É o que venho fazendo aqui neste blog sobre nada, de besteira em cima de bobagem, de gracinha sobre gracejo, vou falando tudo o que acontece e, se você prestar atenção, já contei um tanto de tudo, de quem sou e do que acho das coisas. Pois vou parar um tiquinho. Mas volto logo-loguinho.

Chego junto em meados de janeiro, descansada, bronzeada e descarrilada (porque uma vez que sai dos trilhos, né, já era). E pronta pra preparar uma comemoração bem daqui. É que bem na metade do mês este blog completa um ano. Um ano característico. Pra mim, ano de descarrilar. E aqui no Caracteres isso só tem lado bom. Porque andar sempre no trilho é coisa de gente trouxa.

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