Não faz nem meia hora eu me vi diante de um desses meus gostos que eu tenho que confirmam pra mim que sim, faça o que eu quiser, vá eu para onde for, sofistique-me, complique-me, requinte-me, sou uma caipira das grossas.
Estou em Jericoacoara e as opções de banho aqui vão do glorioso mar emoldurado por dunas às gloriosas e azuis lagoas emolduradas por dunas passando por outras lagoas e outras praias e terminando na honesta piscina do hotel, cercada por lindas primaveras com flores dos mais distintos tons.
Pois bem hoje, meu último dia aqui nesse paraíso tropical luxuriante, eu fui tomar uma ducha no hotel e abri o sorrisão. Foi, de longe, disparado, sem discussão, o melhor banho que eu tomei. A ducha fica do lado do tanque onde as funcionárias do hotel lavam as coisas. Dá pra ver um canto da duna entre os galhos de um pé de hibisco. O chãozinho da ducha, menor — bem menor — que o box lá de casa é de azulejo amarelinho, em volta é tudo areia. Na frente tem o tal pé de hibisco, no fundo a duna, do lado o tanque e na parede uns vasos com umas plantas dessas de folha mesmo. Eu fiquei feliz com a luz brilhante do fim da tarde e a água fresquinha entrando pela minha cabeleira sem deixar um rastro de areia por onde passa, a água batendo no azulejinho amarelo do chão e respingando depois na areia, o sabão azulzinho descansando no tanque. Foi o melhor banho que tomei em Jeri.
Continuo caipira, faço pouco do mar, prefiro rio e, pra mim, numa casa de veraneio, basta uma boa ducha, um bom chuverão ou um belo dum corguinho.
Não espero ser compreendida nessa caipirice de preferir o chuveiro à exuberante paisagem da praia. Sei que é tosquice pura. Só peço um sorrisinho de ‘que doida’. O Rods, em quem eu pensei umas quinze vezes nesses dez dias de idílio tropical, adora contar pra mim (fingindo que tá contando pros outros) uma história que tem a ver com essa.
Foi assim. A gente foi passar um Réveillon no Rio e pra mim a coisa toda foi uma tortura. Com todo respeito aos amigos cariocas ou que vivem no Rio ou adoram o Rio. Eu não gosto muito de lá não, não por causa de nada de lá especificamente (a cidade é obviamente linda, a comida é deliciosa e tudo e tal), mas é que eu sempre me sinto muito trouxa.
Lá estava eu me sentindo trouxa e talvez ainda mais trouxa por não morrer de amores pela praia, o que me era lembrado a cada vez que, bem, a cada vez que íamos à praia. De manhã, fim de tarde, aquela papagaiada toda. O meu mau-humor só aumentando, aumentando, aumentando. Se não virasse o ano, eu teria explodido a cota de catota espiritual naqueles últimos dias de… de sei lá que ano que era já nem lembro mais.
Pois no dia 1, o primeirinho dia do ano seguinte àquele, o Rods precisava achar uma borracharia pra dar um jeito no pneu do carro dele que tinha estourado na vinda e agora ele precisa arrumar pra volta. Me voluntariei pra ir junto, ele mal acreditou. Saímos da Urca, onde estávamos hospedados, e fomos em busca da missão de achar um borracheiro carioca funcionando na manhã do dia um.
Só isso já me deixava mais bem humorada, em parte pela besta rivalidade entre paulistanos obcecados por trabalho e cariocas (se fosse em São Paulo, meu borracheiro atenderia na hora, certeza, na mesma rua, sem pestanejar, já aqui nessa espécie de selva hedonista… Eu sou super a favor de selva e super a favor do hedonismo, mas essa rivalidade besta é daqueles prazerezinhos deliciosos tipo cutucar pelinha no canto do dedo), em parte pelo aspecto gincana (ache um borracheiro funcionando no Rio na manhã do dia primeiro de janeiro. A prova vale cem pontos, valendo!).
Achamos, o Rods foi lá resolver o pneu e eu fiquei conversando com um guardador de carros gordão, com a maior barriga que eu já vi, e ele me contou coisas maravilhosas do funcionamento do mundo dos guardadores de carro da Lapa, me explicou a rotina dele e como as coisas tinham mudado, vinham mudado e ainda iam mudar mais, porque é assim que é. Eu fiquei lá de trololó, com um humor ensolarado e renovado. E quando o Rods, voltou, pneu colado com chiclete, ficou muito impressionado.
E ele sempre dá um jeito de contar essa história pra alguém na minha frente, como um exemplo ou a. de quanto eu não gosto de praia (o que nem é taaanto verdade assim) ou b. do quanto eu sou esquisita. Mas sempre que ele conta pra alguém essa história na minha frente eu fico com a sensação de que ele tá contando ela de novo pra mim, pra me lembrar de a. como ele gosta de mim por essas coisas e b. quanto eu gosto dele por essas coisas.
Enfim, viva a ducha do lado do tanque! Viva o borracheiro da Lapa! E um grande e ruidoso viva para todas as esquistices minhas, suas, delas, deles e todas.
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