Dois anos atrás, eu estava apurando uma das primeiras matérias que escrevi sobre cerveja. Era sobre cervejeiros caseiros e, durante o período de apuração, houve um encontro em São Paulo, o Home Brew Experience. Nele, os cervejeiros estariam reunidos e mostrariam suas cervejas uns para os outros.
Lá fui eu, entrevistei os caras, anotei qual cerveja era de cada um e comecei a prová-las. O Rafa chegou lá pelas tantas e me acompanhou na hercúlea tarefa de experimentar as criações dos cervejeiros. Em suma, bebemos bastante. Foi bem divertido.
Bêbados, saímos da festa em direção ao carro. E no meio do caminho tinha um pet shop. E no pet shop tinha uma arara.
Eu sempre quis ter uma arara. Se eu fosse um bicho, eu ia querer ser uma arara. Mas eu já tinha resolvido internamente que as araras pertencem à Mata Atlântica, ao céu, à Amazônia e ao Pantanal. Mas ali, diante daquela gaiola, eu descobri que tinha resolvido tudo isso desde que estivesse sóbria. Bêbada, eu ainda queria ter uma arara. E, bêbado, o Rafa concordou. Saímos do pet shop emocionados, felizes, empolgados e carregando uma enorme caixa toda furada com uma arara dentro.
Em 20 minutos estávamos em casa com Laerte, nosso arara-canindé. Lindo, costas azuis, peito amarelo, rosto branco. Laerte foi direto para a mesinha de centro da sala (a gaiola ia chegar no dia seguinte). Encarou as tabuinhas da mesa como puleiro e lá ficou.
A chegada dele foi recebida com alvoroço. É que eu tenho duas gatas, que ficaram loucas com aquele bicho coberto de penas coloridas. Cansado das investidas das gatas, ele deu um carreirão: abriu as asas, soltou uns berros e saiu correndo na direção delas. Estava dado o recado. Provalmente na natureza as araras ganham facilmente uma briga contra gatos domésticos, porque as minhas nem reagiram, só desapareceram.
O clima de alegria tropical foi, obviamente, se esvaindo conforme a bebedeira passava. Laerte era totalmente legal e regular, nasceu em cativeiro, para ser uma arara de alguém, tinha anel na pata e tudo e tal. Mas eu sabia que aquilo estava errado. As araras, afinal, pertencem ao céu, à mata, à floresta.
Dormi mal, acordei e fui pesquisar na internet quais seriam as eventuais dores de cabeça de ter uma arara num apartamento — elas gritam bastante, são muito sensíveis a golpes de ar, os vizinhos podem reclamar — mas nada daquilo superava a questão: as araras são do céu. Mas Laerte tinha nascido em criadouro para ser arara doméstica, nunca seria do céu. Mas eu fui ficando triste. No dia seguinte, acordei e me deparei com a segunda-via do cartão de crédito em que passamos a compra de Laerte+gaiola+saco de ração+aquário (ah sim, o Rafa aproveitou a deixa e comprou um aquário). Que ressaca…
Laerte estava no canto da sala, virado para a parede, parecia a arara mais triste do mundo. Foi a gota d’água. Liguei no pet shop, disse que ia devolvê-lo, ouvi todas as piadas e indiretas sobre o meu estado no momento da compra, respirei fundo, liguei para minha chefe, disse que ia atrasar porque precisava devolver a arara que havia comprado no dia anterior (arara de roupa? Antes fosse… arara, o psitacídeo mesmo).
Não foi fácil devolver Laerte. Eu sempre sonhei em andar por aí com uma arara no ombro, assoviando Marinheiro Só. E Laerte já tinha subido no meu ombro, só faltava aprender a música. Mas eu não ia conseguir viver com uma arara confinada. Lá se foi Laerte para o ombro da moça da loja, que devolveu parte do dinheiro (50% da arara ficava pra eles mesmo, eles tinham avisado mil vezes no dia anterior. O saco de ração, que era um belo mix de castanhas, eles também não reembolsaram, porque estava aberto. Doei para a loja com a condição de que eles doassem para alguém legal). Demorou uns 3 meses para a gente se recuperar do prejuízo, demorou um pouco mais de tempo para eu me recuperar do baque (fiquei mal de perceber que: 1. no fundo eu ainda queria uma arara; 2. no fundo eu ainda sou uma menina meio sem noção capaz de entrar bêbada numa loja e comprar uma arara).
Mas, com o tempo, foi sobrando só o lado bom. Toda vez que começa uma conversa sobre qual-a-coisa-mais-louca-que-você-já-fez-bêbado eu sei que vou ganhar. Sei que a cena vai acabar com todo mundo rindo e me parabenizando.

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PS1. A história fica ainda melhor com a homenagem, imagem acima, da cervejaria que organizou o encontro. Sabendo da história, eles fizeram a The Famous Arara.
PS2. Fica melhor ainda agora: a sexta palavra que meu filho aprendeu a dizer foi arara (1. uau, 2. eaí?, 3. mamãe, 4. papai, 5. auau, 6. arara). Qualquer ave voadora ele aponta e diz: lalála.